Associação Democrática de Toronto

Dissolvido

Da Revista Luso-Ontário, 2008, por Avelino Teixeira

Versão de áudio (disponível apenas em inglês):

Esta associação, fundada em 1957 por pessoas que haviam pertencido anteriormente ao First Portuguese Canadian Club, e que no seu início realizava apenas festas mais relacionadas com eventos políticos, cerrou as suas portas de uma forma modesta mas com o habitual brio que sempre soube manter ao longo da sua existência. Fê-lo com um Porto de Honra no dia 21 de setembro de 2007, na presença de quantos se dignaram estar presentes. Mas como acontece em outros clubes ou associações, as divisões pessoais não se podem evitar e, por vezes, a instituição em causa é que perde por tal motivo.

O Vice-Presidente do executivo, António Manuel Paz dos Santos, lamentou o fecho da Associação Democrática referindo-se à falta de adesão dos jovens e chamou a atenção para o que poderá acontecer às outras associações e clubes da comunidade portuguesa de Toronto se os mais novos não se envolverem. Acrescentou que isso só poderá acontecer se os mais velhos deixarem de querer tudo à sua maneira. Fez questão de recordar o papel de suma importância daquela associação na vida de muitos pionerios portugueses que quando chegavam a Toronto ali se deslocavam tanto para pedir orientação como para dois dedos de conversa.

Fernando Gonçalves, representante do Consulado de Portugal em Toronto, disse estar convicto de que a Associação Democrática vai permanecer viva no coração de toda a gente, mas muito especialmente no daqueles que por ali passaram e a fundaram. Acrescentou saber que os fundadores daquela associação, quando puseram mãos à obra, fizeram-no pensando poder contribuir de certa forma para uma mudança política radical em Portugal. Que muitos possivelmente tê-lo-ão feito também pensando nos portugueses que clandestinamente viviam fora do seu país cuja contribuição fora muito importante para que fosse instaurada a liberdade em Portugal no dia 25 de Abril de 1974. Lembrou que a Associação Democrática era a segunda mais antiga em Toronto e que sempre se pautou pelos valores da defesa dos direitos humanos. E que não são os grandes nomes da política ou da democracia que fazem as coisas mudar, mas sim o simples cidadão no seu dia-a-dia. Aludiu também à possibilidade de um dia mais tarde aquela associação poder reiniciar as suas atividades em outro lugar, e talvez com mais apoio e maior compreensão de todos quantos pertenceram a ela. 

António Manuel Paz dos Santos, Vice-Presidente do Executivo, mesmo de avental por se encontrar a trabalhar na cozinha e a servir à mesa, agradeceu a presença dos convivas, e também lembrou os grandes momentos que ali se viveram durante mais de trinta anos, nos áureos tempos daquela velhinha associação. Referiu-se às grandes personagens da política portuguesa que por ali passaram bem como os artistas de reconhecida craveira que ali realizaram os seus grandes espetáculos.   

Num vai-e-vem entre a cozinha e a sala de festas, [o vice-presidente] de quando em vez chegava-se aos microfone para apresentar os intervinientes da noite. Primeiramente foi João Freixo, representando o Clube de Peniche, que disse estar ali numa missão ingrata pois em tempos também pertencera àquela associação e sentia-se muito triste. Acrescentou que a Associação Democrática tinha atingido os seus limites "remando sempre com a maré" e que pela falta de adesão e interesse dos seus sócios não foi bem sucedida. Enunciou o seu passado, felicitou-a pelo seu aniversário e congratulou o executivo pelo seu esforço.

Francisco Martins e Francisco Leite, respectivamente, leram poemas de Ari dos Santos e do saudoso António Teodósio Rodrigues. Este último fora publicado no dia 10 de junho de 1979, no “O Democrata”, um periódico da responsabilidade da Associação Democrática de Toronto. O Dr. Tomás Ferreira foi convidado para usar a palavra, e como não podia deixar de o fazer, aludiu ao papel importante daquela velhinha associação que, mesmo quando ainda não se podia falar em liberdade em Portugal nem da independência das ex-províncias ultramarinas, já servia de plataforma para as mais eficientes demonstrações de desagrado e descontentamento para com a ditadura que em tempos governava Portugal. O Dr. Ferreira disse ainda ter um pressentimento que alguém haveria de fazer algo para que as portas se abrissem novamente embora em outra lugar mesmo que ainda mais pequeno e mais modesto que fosse. Acrescentou que é imperativo que isso aconteça.

Era bem notória também a azáfama de João Manuel dos Santos, Presidente do Executivo, Nicolau Paulo, Presidente da Assembleia Geral, Armando Pires, Presidente do Conselho Fiscal, bem como outros membros da atual direção, Manuel José Ruela, Eduardo Branco, Maria Graciete António, e da Tesouraria Alexandra Clegg. Esta senhora de descendência austríaca deu o melhor do seu tempo de lazer em prol da Associação Democrática durante anos e anos. Deram o seu contributo à última noite de festa da Associação Democrática, também protegidas por avental, duas pessoas que em tempos pertenceram às direções daquela casa: Marilia dos Santos e Maria Lourdes Oliveira. 

Como de costume em momentos celebráveis, comeu-se bolo e bebeu-se champanhe assinalando os 50 anos de existência de uma das mais antigas associações portuguesas de Toronto, e comovidamente cerrámos suas portas sem que tivéssemos deixado cair uma lágrima já de saudade. 

A Associação Democrática fechou as suas portas em definitivo

Segundo informações que me foram dadas pelo Executivo, na semana seguinte procedeu-se à distribuição do riquíssimo espólio daquela associação, acumulado durante os seus cinquenta anos de existência, deixado ali por várias pessoas e organizações. Dos livros que se encontravam na biblioteca, metade havia sido prometida à Casa do Alentejo bem como uma placa com os dizeres "Biblioteca Ari dos Santos", elaborada e pintada por Marilia dos Santos e Júlio de Carvalho. A outra metade fora entregue à Associação dos Deficientes, situada em St. Clair Avenue em Toronto, com a exceção dos livros que se baseiam em política que serão mandados para a Associação 25 de Abril em Lisboa. Os livros que se ocupam em cultura, poesia e música serão enviados para a Casa do Artista, em Lisboa. O velho piano e alguns quadros foram entregues ao Museu dos Pioneiros, a cargo de Bernardete Gouveia e José Mário Coelho. Poemas escritos a punho por José Carlos Ari dos Santos entregues por este à Associação Democrática, vão ser enviados para o museu daquele artista, em Lisboa. 

Segundo António Manuel Paz dos Santos, todos os clubes e associações que mantiveram uma boa relação com a Associação Democrática de Toronto foram convidados para o Porto de Honra, levado a efeito no dia 21 de setembrost, e para que no mesmo dia fossem notificados da espoliação daquela associação. Mas naquele dia apenas a Casa do Alentejo se fez representar pela pessoa da Sra. Dona Rosa de Sousa. Segundo aquele membro do executivo da Associação Democrática, era imperativo que os clubes e associações se apercebessem do desmantelamento da A.D. para no caso de lhes interessar reaver as placas e troféus que um dia lhe ofereceram aquando das celebrações dos seus aniversários. Existe ainda uma placa de enorma importância, na posse do executivo, que fora entregue pelo famoso escritor inglês Arthur William Russell Bertrande, nascido a 2 de Fevereiro de 1872 e falecido aos 2 de Fevereiro de 1970. A referida placa foi entregue à Associação Democrática em 1966 em reconhecimento pelo seu excelente trabalho em prol da defesa dos direitos humanos. Até este momento ainda não foi decidido para onde aquela placa será enviada. Entretanto, foi-me assegurado de que a seu tempo serei informado do destino final de tão importante objeto documental.

E assim, com um nó na garganta, se assiste ao desmantelamento de uma associação que não só serviu de trampolim para se exigir uma democracia em tempos sonhada em Portugal, como também para ponto de encontro de quem acabava de chegar a Toronto e necessitava de ajuda em procurar trabalho ou mesmo preencher um documento. 

Oxalá este fecho de portas não venha a ter o efeito de desmonoramento de um baralho de cartas. Sabemos que infelizemente outros clubes e associações já se encontram vertiginalmente em estado financeiro lastimável e quase que sem forma de retroceder. Estou certo de que não queremos que eles venham a ser vítimas das mesmas circunstâncias. Se isso acontecer, será o desaparecimento da nossa cultura, das nossas tradições e, porque não, até do idioma de Camões em terras do Canadá. Que fazer para que isso não aconteça? Procurar alicercar a adesão dos nossos jovens aos nossos clubes e associações, depositando neles a confiança de que a maioria dos mesmos é mui digna. 

Com ficheiros da Revista Luso-Ontário, 2008
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